Terminei as apresentações de “A história do pescador que deixou o coração atrás da porta e dos peixes que choveram” de novembro/2024 a conversar com os alunos de 5º e 6º ano sobre metáforas.
Partimos do princípio que uma metáfora é uma expressão textual que define uma imagem capaz de congregar em si ideias fundamentalmente verdadeiras.
Na pesquisa para esta peça, o pescador João Faustino disse-me: “sabe, às vezes nós vamos para o mar mas o coração fica atrás da porta”. É evidente que ele não desatarraxava o seu órgão vital e o pendurava atrás da porta antes de sair para a faina. O que é que ele quereria dizer com isso? Os alunos deram várias respostas, todas elas válidas; várias leituras e interpretações. Encontramos muitas verdades contidas naquela metáfora. Mas porque é que ele a usou? Não poderia ter sido mais objetivo sobre o que efetivamente deixava para trás quando partia para o mar, anulando assim a figura de estilo?
Talvez ele não pudesse, sem cair em erro ou omissão, elencar factual e objetivamente todos os elementos de que sentiria a falta, no momento de partir para o mar. A metáfora não seria para ele uma figura de estilo decorativa para embelezar o discurso, mas antes a melhor forma encontrada para descrever os seus sentimentos, o seu estado, ao sair para o mar. Essa forma – essa imagem – sintetizava o tanto que ele queria dizer.
Por isso, à pergunta: “O que é que o autor quis dizer com esta metáfora?” Proponho que se responda: “Exatamente o que quis dizer. E, nisso que quis dizer, podemos descortinar isto, aquilo, aqueloutro… (as diversas leituras)”.
Ler metáforas – estejam elas em textos poéticos ou em discursos coloquiais – exige disponibilidade para a aventura de descer em profundidade pelas coisas. Talvez por isso estejam um pouco caídas em desuso. As boas metáforas, não imediatas, exigem paciência, atenção e a humilde aceitação de uma evidência: nunca dominaremos totalmente a verdade, sendo impossível percebermos tudo “o que ele quis dizer”. Nem nós nem o autor. Até porque, se “ele” soubesse exatamente tudo o que queria ter dito, tê-lo-ia dito simplesmente.
Num mundo tão ávido de factos e a sua veracidade, convém lembrarmos que, embora as metáforas não descrevam – pois não é para isso que servem – verdades factuais, são elas e apenas elas que nos permitem exprimir e descortinar a complexidade do real.
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Isabel Fernandes Pinto
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